sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Frustração


Os males da frustração
Passamos a maior parte de nosso tempo nos preparando. Desde que nascemos, somos preparados para sobreviver e para continuarmos vivos. O nosso corpo aprende a respirar fora do ventre. Aprendemos, logo depois, a nos alimentarmos e, gradativamente, todos os nossos sentidos vão se desenvolvendo para que aprendamos tudo por meio deles.
Adquirimos, ano após ano, a condição de aperfeiçoamento, e vamos usando essa condição em todas as situações: em nossos movimentos físicos, em nossos pensamentos e em nossa expressão verbal. À medida que vamos crescendo, aprendemos certos modelos intelectuais e emocionais. Aprendemos como responder às situações do dia a dia e a como nos comportar diante das pessoas e situações. Assim, desde cedo, somos capacitados para crescermos e assumirmos as responsabilidades de uma vida adulta. Aprendemos que precisamos ter as coisas que nos mantém vivos. Aprendemos que precisamos trabalhar para poder nos alimentar. Além da sobrevivência, aprendemos que o aconchego, o cuidado e o bem-estar fazem parte de uma vida sustentável.
Nesse ínterim de coisas aprendidas, também aprendemos uma forma ansiosa de querer que as coisas aconteçam. Muitos condicionamentos mentais nos fazem achar que o tempo para as coisas acontecerem é aquele que achamos que tem que ser, e não aquele que de fato é. A medida da nossa frustração é diretamente proporcional ao quanto não compreendemos que o tempo para o acontecimento das coisas não depende de nossa vontade, mas sim da congruência de uma série de informações e condições, também externas a nós. A garantia que temos sobre o tempo é a constância com a qual fazemos algo de forma coerente e sustentável. Isso é o que nos trará os resultados mais satisfatórios diante de um processo e no menor prazo possível com as condições que temos.
Responsabilizarmo-nos pelos resultados em nossas vidas parece distante enquanto somos crianças e adolescentes, mas, quando adultos, não há outra saída a não ser assumirmos que somos responsáveis por todos os resultados que geramos.
A frustração, portanto, está associada ao quanto esperamos que determinados resultados aconteçam sem termos trabalhado por esse resultado positivo. Se assumirmos a responsabilidade pelos nossos resultados, pelo que fazemos e pelo que deixamos de fazer, nos frustraremos menos diante das situações do dia-a-dia.
 

Desordem e Regresso

A morte do cinegrafista Santiago Andrade e as associações que ela descortina são gravíssimas. Não devem, porém, servir para deslegitimar o sentimento de mudança que pulsa entre boa parte dos brasileiros. A questão agora é: a quem interessa transformar iniciativas surgidas como manifestações legítimas por melhorias nas condições de vida do país e por mudanças na forma de o poder público se relacionar com a população em atos criminosos?
A quem pode interessar?
As investigações sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade desembocaram num caminho melindroso e sensível, mas que, se forem verdadeiras as denúncias que vieram à tona ontem, podem jogar luz nova sobre a dinâmica que os protestos de rua tomaram desde que acuaram o governo, em meados do ano passado.
Segundo o advogado dos dois acusados pela morte do cinegrafista, grupos e partidos políticos estariam envolvidos no aliciamento de manifestantes, recrutados a soldo para engrossar os protestos. A denúncia deve ser recebida com a cautela, pois pode ser mera tática diversionista para livrar a cara dos jovens que cometeram o ato bárbaro que vitimou Andrade.
Mas, convenhamos, está longe de ser desprovida de sentido. Pelo contrário. A hipótese de instrumentação já fora aventada quando manifestações legítimas descambaram para a pancadaria – e, por esta razão, passaram a ser rechaçadas por gente de bem e acabaram perdendo força.
Em novembro, O Globo já revelara que a Polícia Civil do Rio “investigava indícios de que pessoas estariam sendo recrutadas [com dinheiro, alimentação e transporte], inclusive fora do estado, para participarem de manifestações”. A hipótese é sustentada por depoimentos prestados por pessoas detidas e apreensões, inclusive de computadores, feitas ao longo do período de protestos.
A questão que interessa agora é: se é verdadeira a hipótese, quem está pagando, instruindo e aparelhando esta gente? A quem interessa transformar iniciativas surgidas como manifestações legítimas por melhorias nas condições de vida do país e por mudanças na forma de o poder público se relacionar com a população em atos criminosos?
Quem mais perde com as badernas de rua é a democracia brasileira. É preocupante, se forem verdadeiras as denúncias do advogado dos envolvidos na morte do cinegrafista, que instituições intrinsecamente ligadas ao bom funcionamento do Estado democrático de direito estejam se valendo de métodos facínoras para tirar proveito e tumultuar o ambiente.
Uma coisa é indubitável: os black blocs e sua prática truculenta serviram como luva aos propósitos do governo e ao partido no poder. Sua entrada em cena, logo depois que as manifestações atingiam seu ápice e magnetizavam o país, acabou por esvaziar os protestos e afastar quem lutava por causas legítimas.
Vale recordar que, pouco antes do surgimento dos black blocs, PT e movimentos alinhados ao governo haviam tentado se apropriar das manifestações. Foram prontamente rechaçados. Logo depois, irromperam os vândalos. Sua violência acabou por dispersar as multidões, embora não tenha conseguido silenciar a insatisfação que até hoje se mantém latente.
Vira e mexe, percebe-se no governo petista tentativas de transformar baderna e protestos em farinha do mesmo saco. Não são. Uma coisa é o direito de manifestação de causas legítimas, feitas pacificamente, como foi, em boa medida, o que aconteceu em junho do ano passado. Merecem respeito. Outra coisa, bem diferente, é a truculência, a intolerância e a desordem. Merecem repressão.
Cabe agora investigar a fundo a denúncia formalizada pelo advogado dos assassinos de Santiago Andrade – que, vale lembrar, também já defendeu acusados de chefiar milícias na Baixada Fluminense. A democracia brasileira não pode aceitar grupos que usam a violência para impor suas visões, quaisquer que sejam.
Mas uma coisa é certa: os black blocs não representam os indignados do país. A repulsa aos descaminhos pelos quais o Brasil tem enveredado é hoje sentimento presente em vasta camada da população. O episódio lamentável do Rio e as associações que ele descortina não podem servir para deslegitimar o sentimento de mudança que pulsa entre boa parte dos brasileiros.
Até agora quem mais ganhou com a atuação nefasta dos black blocs foi o governo, aterrorizado com o efeito que as manifestações – enquanto se mantiveram pacíficas – tiveram sobre sua antes inabalada popularidade. A hora agora é de apurar, afinal, se uma coisa pode estar umbilicalmente ligada à outra.

Instituto Teotônio Vilela
Carta de Formulação e Mobilização Política 
13 de fevereiro de 2014